Marraquexe - Parte III
celiacloureiro
Termino este relato a viagem mais fora da caixa que fiz até hoje nesta parte III, para descanso dos interessados e alívio de quem se deixa incomodar por aquilo que os outros publicam a respeito da sua vida nas suas próprias plataformas.
Os últimos dois dias foram dias de repisar o mercado, que já conhecíamos, a Medina e as lojas de souvenirs. Fomos até à avenida Mohammed V, onde havia restaurantes mais "modernos" (isto é, ocidentalizados), onde pedimos menu de pequeno-almoço. Uma vez mais, o menu de pequeno-almoço trazia uma grande variedade de comida para experimentar, alguma menos local (como ovos mexidos ou torradas com abacate), mas também traz especialidades como as saladas marroquinas e os clássicos incontornáveis franceses, como croissants e crepes. Acabou por ser uma ótima opção em termos de custo-benefício, experimentámos coisas diferentes e sobrou sempre imensa comida.
Neste ponto, vale a pena refletir resumidamente na influência francesa em Marrocos, que terá tido início na primeira metade do século XIX, quando França, já depois das tentativas de expansão napoleónicas, voltou a focar-se no potencial valor da sua presença no Norte de África. No entanto, foi apenas em 1912 que o Tratado de Fez constituiu Marrocos como um protetorado francês, sendo que o país mantinha a sua soberania, mas França podia fundar cidades, criar feitorias e portos e, portanto, ter mão ativa na exploração económica do território. Em troca, oferecia proteção militar a Marrocos e tornavam-se assim aliados numa época de grande convulsão a nível mundial (a Primeira Guerra Mundial estava prestes a eclodir). Essa influência, que surge tão bem retratada no filme Casablanca, de 1942, permaneceu no território do atual reino de Marrocos até 1956, altura em que o país se tornou independente. Arrepio-me sempre na cena em que os convivas elevam a voz para cantar La Marseilleise no bar da personagem principal e abafam completamente o hino alemão e concluem com gritos de Vive la France! Vive la démocracie! Não esquecer que a Alemanha ocupou a França na Segunda Guerra Mundial, e, consequentemente, estendeu as suas garras até Marrocos. Tudo muito relativo, porque a própria França já dominava, em grande medida, um território que ansiava por autonomia.
Uma das coisas mais especiais que testemunhei nesse penúltimo dia em Marraquexe, foi a forma como toda a população se moveu em uníssono quando o sol se pôs e bateram as sete horas da tarde. Com o Ramadão, estão moralmente impedidos de comer ou beber até essa hora. Assim, e embora andássemos à procura de lembranças para trazer para casa, vimos o mercado e as ruas adjacentes a transformarem-se numa grande família. Surgiram bancos e almofadas no meio da rua, chaleiras, copos de vidro, por toda a parte fumegava o chá de menta e abriam tajijes, partiam pão, sentavam-se em círculo. Alguns barricavam as entradas das lojas com caixotes e mercadorias, e sentavam-se no interior a partilhar a primeira refeição do dia. Achei uma bela demonstração da cultura local, confesso que me senti um pouco comovida. É curioso como tanto da vida desse povo é vivida a céu aberto, em público. Pareceu-me que há muita camaradagem e entreajuda, mas também testemunhei discussões acesas cujo sentido, por serem conduzidas em árabe, me escapou. Não vi mulheres nesses círculos de convívio, provavelmente, estariam em casa a cuidar das crianças e do lar - não julgo, é o estilo de vida deles, a organização social que funciona para eles. Quem sou eu para os borrifar com os meus princípios ocidentais?
Vi muitas mulheres a conduzirem motas, e homens com os filhos em marsúpios ou simplesmente ao colo. Fiquei com a impressão de que as crianças são muito estimadas na cultura islâmica. No entanto, reafirmo que me incomodou ver meninas de seis ou sete anos a vender pacotes de lenços na rua, com as mães a alguns passos. Fiquei com a impressão de que não há CPCJ atenta, como não há proteção de animais. São coisas que haverão de surgir conforme a mentalidade do povo evoluir - assumindo que será nesse sentido.
Em suma, é preciso ter um bocadinho de estofo para percorrer aquelas ruas, testemunhar alguma miséria, mas também desordem, ferocidade, vitalidade e alegria, e o melhor é deixarmos a sensibilidade em casa. O melhor é não olharmos nem pararmos em cada bancada, se sabemos que não temos espaço para levar candeeiros de tecto, é de evitar esse bate-boca com o vendedor. Eles vão tentar vender - terá sido assim a sua vida toda, é o seu meio de subsistência e estão bem cientes de que o nosso olho ocidental não sabe para onde se virar no meio de tanto exotismo, e que os nossos bolsos carregados de dirhams se abrem com facilidade sempre que nos fazem um desconto simpático. Não estamos habituados a confronto. Não estamos habituados a usar as mãos e os olhos e a postura corporal para enfrentarmos vendedores e lutarmos pelo produto que cobiçamos. Não temos o costume de assumir que o preço pode ser outra coisa que não aquilo que o vendedor definiu. Saí de Marraquexe pronta a regatear, é uma skill menosprezada que já me deu jeito numa noite de dança, quando o senhor das rosas veio vender cada uma a 2€. Arrebatei-lhe 3 por 5€, eheh!
Fiquei com muita curiosidade de conhecer outros destinos em Marrocos, que me parece uma excelente porta para o mundo islâmico. Faltou-nos o deserto "a sério", o vale de Ourika, Casablanca e Fez, onde tenho a certeza que um dia haverei de ir aportar.
No regresso, obrigaram-nos a imprimir os cartões de embarque (tinhamos indicação de que o aeroporto não aceita bilhetes eletrónicos). Fizeram-nos suportar a fila para o balcão de check-in da Ryanair durante mais de uma hora porque só passamos no controlo para as portas de embarque se tivermos os cartões carimbados pela compainha aérea. É uma oportunidade para controlarem as malas - fizeram-nos encaixar as mochilas nos expositores das dimensões das malas de cabine, muita gente abriu malas e redestribuiu o peso pelos companheiros de viagem. De salientar que a maioria das pessoas naquela fila de regresso à Europa tinha ténis novinhos em folha nos pés - as contrafações a que foi tão difícil resistir e que permitiu que se regressasse com All Star ou Adidas Samba por 25-30€. Pessoalmente, não comprei nenhuns ténis - não teria espaço para isso -, mas foi curioso ver como somos todos tão iguais.
Uma vez o cartão de embarque carimbado (e ressalvo: a fila demorou mais de uma hora a andar), corremos para o controlo de passaportes, onde ficámos mais uma hora. Duas horas depois, chegámos à sala de embarque a 20 minutos da partida do voo, sem conseguir imaginar como as dezenas de pessoas que ficaram atrás de nós na fila para o balcão de check-in e para o controlo de passaportes se haveriam de safar. A verdade é que, a poucos minutos da partida do voo, começaram a apressar-nos para o interior da aeronave, controlando os nossos passaportes e os cartões de embarque carimbados, e mal sentámos os rabiosques nos assentos já o avião estava a recuar para se lançar aos céus. Foi um último pôr do sol em África. Para trás ficou a areia, o vento e as palmeiras.
Comigo, veio a vontade de regressar. Um dia, quem sabe.
Maktub.
Dicas práticas:
- Documentos: Passaporte com pelo menos 6 meses de validade;
- Dinheiro: Teria solicitado dirhams no meu banco com umas duas semanas de antecedência, porque haverá comissão de mínimo 5% do valor levantado no multibancos em Marrocos;
- Tomada elétrica: Igual à europeia;
- Há quem diga que convém levar probióticos e antidiarreicos, no meu grupo ninguém passou mal (eu passei, mas já ia doente daqui). Nos meses de verão, consta que há mosquitos, talvez levar repelente;
- Levar os cartões de embarque impressos;
- Apresentação no aeroporto para o regresso pelo menos 3 horas antes (fila no balcão de check-in e fila no controlo de passaportes);
- Comprar antecipadamente uma mala de cabine vazia para trazer as maravilhas que vendem por lá (a própria mala compraria por lá, ao desbarato);
- Levar protetor solar;
- Marcar todos os serviços possíveis antecipadamente - transfers, tours, hotel (é provável que queiram o pagamento em dinheiro);
- Comprar por lá um cartão com dados móveis (o meu telemóvel esteve 10 minutos, sem exagero, com o roaming ligado. A conta foi de 20,00€).
- Desligar a cabeça.
- Aproveitar.