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Célia Correia Loureiro

Sobre a vida, em dias de chuva, de fascínio ou de indignação!

29
Out24

Cadavre Exquis


celiacloureiro

Bem sei que os títulos das minhas publicações são cada vez mais pedantes, mas deve-se ao facto de frequentar uma universidade e de estar a transformar-me numa pessoa erudita - à medida que as informações penetram neste cérebrozinho encharcado em aluamento severo.

Cadáver esquisito - jogo surrealista, doido, sem trembelho nenhum, que soa mais fino em francês. Um recorte de ideias em que um participante escreve uma pergunta/resposta e outro junta outras sem ver a anterior e, de repente, sai algo tipo o exemplo que a wikipedia nos oferece:

“- De que cor é o vermelho?
- É verde.
- Quem é o teu pai?
- É o revisor do comboio para a lua.
-O que é a loucura?
- É um braço solitário a sorrir para os meninos.
- Quem é Deus?
- É um vendedor de gravatas.
- Como é a cara dele?
- É bicuda, com uma maçaneta na ponta.”

— O Vermelho e o Verde (João Artur SilvaMário-Henrique Leiria)

Enfim, dizia que foi um dia estilo cadavre exquis. Também podia dizer-se que foi um dia sem trembelho.

Começou com um telefonema direto da obra interminável no Alentejo, segundo a qual houve outra inspeção à minha modesta casinha ($$$). Seguiu-se a busca inglória por um engenheiro alentejano. Depois, um telefonema para uma amiga onde se discutiu a situação incomportável de uma mulher sem-abrigo em Almada, e o pesadelo pelo qual a desgraçada está a passar. Enquanto isso, o autocarro para Évora imobilizava-se na paragem, e eu conversava para cá e para lá. A dada altura, lá caí em mim e entendi que se tratava do meu transporte. Telemóvel para que te quero: scroll para cima, scroll para baixo, e nada de bilhete. Quase em lágrimas, o revisor acaba por me mandar entrar mesmo assim. Pensei que era Deus (aka Universo) a retribuir-me a gentileza de ter oferecido uma bisnaga de voltaren ($$) à supracitada sem-abrigo, que sofre dos joelhos e o frio começa a fazer-se sentir.

Fiz o percurso até Évora numa espécie de semi-coma. Cheia de sono e desmotivada. Uma vez no quarto alugado, obriguei-me a desligar todas as notificações e traduzi durante duas horas seguidas. A grande surpresa foi à tarde, a aula deliciosa de Literatura e Artes. A professora é um doce, os colegas são todos muito diversos e amorosos - incrivelmente cultos - e tivémos um convidado de honra que conviveu com Cruzeiro Seixas, um dos grandes do surrealismo português.

Falámos de Freud, de id, ego e superego, de como as pessoas andam perdidas neste tempo tão opressor para o id.

No final, com uma dicção perfeita para a tarefa, o nosso ilustre convidado, o Prof. Cândido Franco, leu-nos três poemas lindíssimos. Um de Mário Cesariny e o outro, que me conquistou, de António Maria Lisboa.

"Eu num camelo a atravessar o deserto
com um ombro franjado de túmulos numa mão muito aberta
 
Eu num barco a remos a atravessar a janela
da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de escamas
 
Eu na praia e um vento de agulhas
com um Cavalo-Triângulo enterrado na areia
 
Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
-trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de musgo"
 
Lindíssimo.
 
É muito gratificante estar rodeada de pessoas que são autênticas enciclopédias e que, mesmo sob tanto conhecimento, tanta erudição, pulsa tanta humanidade, tanta sensibilidade. É tão etéreo que chega a ser mundano.
 
 

Acabei o dia de volta ao quarto depois de jantar com o meu irmão, de ver o Sporting dar 3-0 a um adversário que desconheço (a sério, nem sei se o jogo ficou mesmo assim), e de recordar essa palavra que a minha avó tanto usava: trembelho. Também nisto recuperamos um bocadinho das pessoas que nos deixaram.

Cada vez mais apaixonada por elas.

Pelas palavras.

 

 

 

26
Out24

Castanhas e marmelada


celiacloureiro

img_7114_1_2500_2500.jpgNos dias 24 e 25 de outubro, tive o prazer de ir até Bragança falar com jovens com idades compreendidas, sensivelmente, entre os 14 e os 18 anos. Esse evento - provavelmente o mais gratificante como "oradora" até ao momento, foi em resposta a um convite da Biblioteca Municipal de Bragança, e veio acompanhado dos meus receios do costume. O de ser longe (6h30 de autocarro a partir de Lisboa!), o de ser perante jovens estudantes - que podem ser incríveis ou um pesadelo, por terem um olhar crítico incrivelmente exacerbado pela idade -, o de me sentir, por vezes, um embuste.

Preparei um Powerpoint bonito, no qual fiz questão de falar de muitas coisas que não apenas os livros. Na verdade, acabei por nunca falar especificamente dos meus livros - não fui para os vender -, fui, acima de tudo, para tentar mostrar a importância dos sonhos, de ler, escrever, e de acreditar, aos jovens. Acho que a geração que está a terminar o ensino obrigatório terá de enfrentar desafios muito mais complicados do que aqueles que a minha enfrentou. Vejo-os mais perdidos, com acesso a todo o tipo de informação, mas, regra geral, desmotivados e desinteressados. Esta descrição não se aplica propriamente aos jovens que conheci em Bragança e que se revelaram interessados, respeitadores, verdadeiramente promissores.

No dia anterior, tive uma jornada típica da pessoa com PHDA. O autocarro era no oriente, às 08h00, mas pus o desperador para as 07h33 e 07h43 porque entendi que tinha combinado com a minha amiga que trabalha lá perto pelas 08h00. Certo, pois.

Às 06h50 o telefone começou a tocar: ela estava à minha porta e eu estava a dormir ferrada. Saltei da cama, obriguei a minha irmã a fazer o mesmo, e descemos em dez minutos. A amiga informou-me que estes 10 minutos de atraso (saímos daqui às 07h00 e não às 06h50, como tínhamos conbinado sem que eu o registasse) podiam ser catastróficos. De facto, apanhámos imenso trânsito e, pelo caminho, tornou-se evidente que não ia conseguir chegar ao Oriente às 08h00. Então, cancelei o meu bilhete (Lisboa-Bragança, com troca de autocarro no Porto) e comprei outro (apenas Lisboa-Porto...) que me permitia estar a horas no Porto para apanhar o autocarro para Bragança (exato, o mesmo que acabava de cancelar).

Apanhámos o autocarro das 08h30 e a viagem decorreu sem incidentes. Almoçámos perto de Campanhã e nem tivémos de esperar dez minutos pelo autocarro para Bragança. À terceira vez que o leitor de QR code falhou, caiu-me a ficha: eu tinha cancelado os bilhetes. Pois bem, pela segunda vez no mesmo dia, a PHDA fazia-me pagar por bilhetes que já tinha comprado anteriormente, e por sorte havia lugares livres no Flixbus.

Seguimos para Bragança, onde nunca tinha estado. Jantámos italiano no hotel, tinha intenções de trabalhar mas foi desde logo evidente que não ia conseguir. Estava cheia de sono, moída da viagem. Chegámos ao destino às 16h00 depois de sair de casa às 07h00.

No dia seguinte, parti sozinha para a primeira escola onde faria a apresentação. Fui recebida por uma bibliotecária absolutamente amorosa (como aliás, se revelaram todas), com um xaile muito acarinhado pela sua dona e uma guitarra portuguesa à minha espera.

Os jovens foram chegando, foram-se sentando e, em breve, senti que estavam todos de olhos em mim e de ouvidos atentos às minhas palavras. Falei sobre a minha infância, sobre a vergonha que podia ter-me cortado as pernas, sobre o meu pai, a minha mãe, ser criada por avós, ser pobre, ver nos estudos e nos livros uma forma de sair dessas circunstâncias. Sobre as consequências do que fazemos agora para o futuro.

À tarde, seguiu-se uma sessão semelhante, mas com outra biblioterácia igualmente amorosa a receber-me. À noite, houve sessão do Clube de Leitura de Bragança, e, como escritora convidada, pude sentar-me a ouvir pessoas admiráveis - cultas, pessoas comuns que se elevam diariamente através da leitura - a discutirem Maquiavel. 

Depois, falei dos meus livros, do mercado, dos livros que vendem e que agradam a todos e dos que nem por isso. Uma vez mais, senti-me muito bem acolhida e abraçada, tanto que a sessão se estendeu quase até às 21h00. Provámos marmeladas caseiras e deram-nos mel de Montesinho, azeite de Trás-os-Montes e punhados de castanhas, é tempo delas. Fomos então jantar no Príncipe Negro, um restaurante familiar com comida ótima - toque caseiro - onde nos pusémos a falar com a proprietária e a filha até passar da minha hora de dormir. Uma vez mais no hotel, nem sequer tentei trabalhar: sabia que estava exausta, foi só encostar a cabeça na almofada e dormir.

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No dia seguinte, fechei as apresentações com chave de ouro perante a maior audiência, onde, uma vez mais, me vi perante jovens capazes de ver por entre ideias préconcebidas e que, quero acreditar, estão dispostos a dar uma oportunidade à leitura. Falámos do que somos, tirando as camadas de gostos voláteis, de roupa da moda do momento, da religião, que é determinada pela geografia, etc. Ainda que não acreditem em nós, nunca devemos deixar de acreditar que conseguimos tudo aquilo a que nos propusermos, foi a mensagem principal que tentei passar.

Recebi inúmeros cumprimentos de professores - inclusive de História, que tanto amo - e assinei livros para pessoas que acreditam no seu poder. Conheci pessoas maravilhosas e trouxe os brigantinos no coração.

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Viémos embora num autocarro direto ao Oriente depois de um almoço excelente (mas rápido) no lindíssimo Solar Bragantino, onde entrámos por acidente. Uma estante à sombra de um dragoeiro, junto à janela e com um título de Hemingway em destaque pareceu-me o sítio certo para estar àquela hora, ainda que estivéssemos perdidas quando lá entrámos.

Durante a viagem de regresso, passámos pelas paisagens de cortar o fôlego do Alto Douro Vinhateiro, e descobri que o Ludovico Einaudi tem um novo single, Pathos, que me levou para aquele sítio especial (dentro de mim) onde o que sou e o que faço dão as mãos e sei que estou no caminho certo e que vale a pena esforçar-me para continuar.

 

 

21
Out24

Experience


celiacloureiro

Começar por dizer que o combustível que me move enquanto escrevo hoje é esta faixa de Ludovico Einaudi, que ouvi ad nauseam enquanto escrevia o meu romance histórico de 2014, A Filha do Barão.

Nem tudo é uma maravilha quando se toma medicação para PHDA. Bastam-me 30mg de Elvanse para sentir que estou a descer uma rampa muito íngreme a toda a brida, montada num skate demasiado pequeno para mim e já sem agilidade nenhuma para me escapar a eventuais obstáculos. Parece que entro numa cápsula de tempo e o temporizador está a contar: estás a rentabilizar o valor do medicamento? O seu efeito químico está a cumprir o prometido? Já produziste alguma coisa sob o seu efeito? E a ansiedade - embora não tão intensa como a que a Ritalina me causava - é como uma garra em torno do meu pescoço. Atrás de mim, um coro de cápsulas rosa e brancas: Trabalha, trabalha, trabalha!

Hoje é dia de traduzir. É dia de avançar nos trabalhos de Mestrado. É dia de preparar a apresentação que farei perante as escolas secundárias de Bragança esta semana. Uff.

No sábado, nadei. Não nadava há imenso tempo. É incrível como o corpo guarda a memória dos gestos, de desbravar outras águas. É incrível como tudo fica silencioso para lá do tanque, mesmo sem medicação nenhuma para concentração. O corpo é quem comanda.

Esta noite, sonhei que tinha três bebés recém-nascidos de tamanhos diferentes (um deles era mesmo muito pequenino). Os sonhos não têm cheiro - creio eu -, mas eles cheiravam a leite materno e davam-me muito conforto quando encostados ao meu peito. Acordei a sentir as mamas sensíveis, mas com o estranho aconchego de ter acabado de me despedir dos meus filhos saciados, metidos em babygrows e deitados lado a lado, todos aninhados para dormir.

Não quero dizer que estou cansada - outra vez não. Quero apenas dizer que, com medicação, com conversas, mesmo com muitas horas dormidas (um sono quase químico, embora não tome nada, porque desligado de todo o mundo ao redor), continuo a sentir que os eventos que tenho pela frente me deixam... drenada.

Vamos lá. Daqui a dez dias sai o meu livro novo. Ei-lo:

Imagem WhatsApp 2024-09-10 às 14.40.46_52053e66.jSinopse: 

Será que Salazar nunca percebeu que a guerra no ultramar era um caso perdido?

Terá Pedro Álvares Cabral realmente acostado no Brasil por engano?

Estaria Hitler a delirar quando decidiu invadir a Rússia de Estaline?

É frequente contar-se a História a partir dos grandes feitos dos vencedores. Não é o caso deste livro. Erros Crassos da História visita os momentos menos iluminados de diversos nomes incontornáveis dos seus tempos, dando a conhecer enganos incríveis que marcaram a sua reputação, mas também o próprio rumo do Mundo. Aqui desvendamos decisões que levaram à perda de vidas humanas, a prejuízos incontáveis, ao desfecho de conflitos sangrentos, ao rumo e futuro de impérios e de nações, que poderão mesmo ter influenciado a forma como vivemos hoje.
Encontramo-nos, assim, perante uma abordagem diferente a pessoas e acontecimentos que continuam a causar intriga, fascínio e horror, demonstrando que também os mais hábeis e com maiores responsabilidades falham, e que as consequências desses erros podem ter mudado o mundo.

Link para espreitarem a preview/índice e para pré-venda em livro ou e-book: aqui.

13
Out24

O Pastor


celiacloureiro

Estou a dormir desde quinta-feira. É domingo. Na semana passada, dormi em Évora terça e quarta-feira. Na terça-feira saí para jantar ao lado do quarto que tenho alugado todas as semanas numa GuestHouse. Sentei-me, olhei para o menu e achei caro. Ultimamente, tenho achado estupidamente caro jantar fora, sobretudo quando comparando o valor de uma refeição fora com outros bens. Um jantar ali equivale a 2 livros em promoção, a 1 noite na GuestHouse a 300 metros da Faculdade, a 5 refeições no bar dos estudantes. A 4 bilhetes Almada-Évora ou Évora-Almada, na rede expresso. 

Acontece que meti conversa com o grupo de americanos na mesa ao lado. Quando dei por mim, estavamos a falar da vida. Eles bebiam vinho alentejano, eu fiquei-me pela água com gás do costume. Eram de várias zonas dos EUA, incluindo da Carolina do Norte, recentemente afetada pelo furacão Helene. Falámos de furacões, de vinho, do essencial. Concluímos que a geração deles trabalhou demais: ali à mesa estavam médicos, enfermeiras, uma advogada, um engenheiro. A enfermeira agarrou na minha mão, acariciou-a. Pensei que estava a captar a psoríase ou que ia ler-me a sina, ou assim. Disse, de lágrimas nos olhos, que a minha mão é o tamanho 4.5 de luvas de enfermagem, e que não produzem esse número. Que, depois de tantas décadas como enfermeira, ganhou o hábito de olhar para as mãos das pessoas e saber que número de luvas calçam. Percorreu os meus dedos com os dela e disse que estou a salvo da artrite por enquanto - condição tantas vezes de mãos dadas com a psoríase. As minhas articulações estão bem, de momento. Depois, disse-lhes que tinha escolhido ir viver para Évora porque é preciso pensar fora da caixa. Perguntarmo-nos onde precisam de nós e o que queremos da vida, e que o interior precisa de muita gente e de muitos serviços. A advogada, que era um doce, disse que a sua única filha se debate diariamente com o aumento do custo de vida na América, mas nunca ponderou ir para o vasto "interior" americano. Disse que ia refletir nisso. No que fazemos na cidade, quando podíamos estar melhor longe. Há uma semana, um amigo disse-me isso: porque vêm as pessoas para a cidade? E era suposto inferir que a resposta fosse "porque estão melhor aqui". Mas não. As pessoas vieram para as cidades - para a minha cidade, Almada - nos anos 50 e 60, para trabalhar nas fábricas de peixe do Ginjal, no gelo - como o meu bisavô. É o trabalho que move as pessoas. Havendo trabalho no interior, porque resistimos tanto a quebrar essa ideia pré-concebida?

No Mestrado de História, falamos da revolução do consumo e de, pela primeira vez na história, no séc. XIX, as pessoas terem começado a trabalhar mais somente para poderem consumir mais. É isso que nos prende à cidade. A ideia de que estamos no vórtice do consumo. Podemos consumir restauração com fartura, eventos culturais, podemos comprar ovos às 23:00 e abastecer o carro a qualquer hora, comer um hambúrguer cheio de colesterol e plástico de madrugada, podemos comprar toda a espécie de quinquilharia para a casa em centros comerciais, comércio local, outlets, feirinhas de rua, feiras artesanais, etc. Podemos embonecar-nos e gastar dinheiro com beleza e self care porque estamos rodeados de testemunhas. É consumo, tudo isto é um desejo de consumo desenfreado, enquanto falamos no planeta e em sustentabilidade e em poupança. Vamos poupar comprando em segunda mão mais um punhado de tralha de que não precisamos. Continuamos a consumir demais, a comer demais, a gastar demais e a trabalhar demais. Eis o círculo vicioso: e querem convencer-nos de que é tudo culpa do capitalismo, quando o capitalismo é só a expressão económica da natureza humana. Indulgente.

No século XVI, inventários de bens de falecidos revelavam que mesmo as classes mais podres possuíam produtos ditos "de luxo", ou evidentemente acima das suas capacidades. Pessoas no limiar da pobreza (com dietas que abaixo dos nutrientes diários necessários para uma vida saudável) possuíam açúcar. Com sorte chá. Talvez mesmo chocolate. É a nossa natureza.

Despedi-me dos americanos - que admitiram que os próprios filhos dizem que eles possuem demasiadas coisas dispensáveis. Pagaram-me o jantar contra os meus protestos. Cumprimentámos os brasileiros amorosos do Rio que nos receberam no Tempero & Prosa essa noite, e voltei sozinha para a GuestHouse. Prometi-me que trabalhava, precisava de trabalhar, mas os olhos fechavam-se por iniciativa própria. Não tive hipótese se não tentar dormir. Há noites que dormia 4 e 5 horas, e muitas vezes interrompidas por chuva, gritos, turistas e estudantes lá fora.

De manhã, uma senhora de 80 anos ou perto disso, fumava à porta de casa, de roupão cor de rosa. Tinha o cabelo branco crespo e solto caído sobre os ombros. Achei-a incrivelmente bonita, humana.

Fui até ao Colégio do Espírito Santo a pé, enrolada no cachecol de lã que comprei numa das lojas de souvenirs para turistas. Ia a ouvir O Pastor, dos Madredeus. Senti-me tão portuguesa. Portuguesa que há séculos e séculos que percorre aquelas estradas calcetadas, que se debruça sobre aquela mesma varanda alentejana para a planície mais além. Estudar num edifício do séc. XVI mexe com a intemporalidade da minha alma portuguesa. Já navegávamos então e continuamos a navegar. Enquanto avançava, sozinha, por corredores revestidos a azulejos do séx. XVIII, apercebi-me de que estava enrolada em lãs enquanto a maioria dos jovens ao meu redor estava de T-shirt e de top, os braços despidos ao sol matinal. E eu a sentir-me velha, a sentir-me arcaica, a sentir que percorria aqueles corredores desde 1550. Acordar é que eu não queria. Sou uma velha no meio destes jovens. E isso fez-me sorrir.

Cheguei a casa na quinta-feira, pelas 11:30, e ainda não parei de dormir. Com pequenas interrupções, mas tenho sobretudo dormido. Durmo o dia todo, durmo a noite toda. Deito-me às 00:00, tento ler, mas não consigo. Acordo às 12:30. às 14:30 (que são agora) estou de novo pronta para dormir. Acordarei lá pelas 17:00 para lanchar, e pouco depois estarei de novo na cama. Entre as 22:00 e as 00:00 talvez  assista a um pouco de televisão, brinque um bocado com os bichos.

Amanhã retomo a vida de trabalho. Agora, e desde quinta-feira, durmo.

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