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Célia Correia Loureiro

Sobre a vida, em dias de chuva, de fascínio ou de indignação!

30
Jan25

O Fosso


celiacloureiro

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Quando minimizam o trabalho de uma escritora como eu, ou como alguns dos muitos escritores que conheço, homens e mulheres, que não tiveram a sorte de um juri composto por três ou quatro pessoas ter adorado o seu trabalho a determinado momento e achado que o mesmo era digno de uns milhares de euros, de uma editora com visibilidade, de eventos de promoção e de um lugar de destaque entre os pares, uma posição vitalícia no estrelato elitista do nosso meio cultural, fico triste. Pior do que triste, fico mesmo muito chateada. Não digo "desiludida", porque não espero nada do meio cultural do meu país. Não espero que passem as ver as obras em vez dos nomes que as escrevem, nem que deixem de nomear e premiar conhecidos e amigos sempre que se encontram como juris de um prémio/bolsa/apoio/residência literária. Há premiados por mérito, não há dúvida disso, mas é sempre uma pequena fração do nosso dinheiro e do interesse público a ser verdadeiramente contemplada.

Nunca achei que haver mais autores prejudicasse o meu rumo, para mim, quantos mais melhores. O sucesso ou insucesso de outro autor não interfere com a minha caminhada nesta estrada. Manifesto-me, sim, contra o facto de haver dinheiros públicos que deveriam ser direcionais aos portugueses (a quem lê, a quem escreve), e que são manipulados pelo mesmo círculo desde 1974. Não duvidem de que tudo neste país é político, é uma rede de contactos que abre portas através de contactos e que, volta e meia, concede um docinho à "oposição", para disfarçar o facto de existir, sim, um monopólio da cultura em Portugal.

 

Alguns são vítimas de editoras mal intencionadas, outros nunca chegam a ver a porta das editoras aberta, alguns têm de escrever quando os filhos já foram dormir e demoram anos a concluir um romance.

Quando alguém de uma posição de privilégio abre a boca para criticar a literatura feita pelos novos autores portugueses, aqueles que continuam a produzir literatura porque os leitores os acarinham, os abraçam, estão a desrespeitar-me não só a mim, não só o trabalho por detrás dos 7 livros que escrevi, revi, publiquei e divulguei nos últimos 14 anos, sem qualquer tipo de ajuda, mas também os milhares de leitores que os leram, se emocionaram, perderam tempo a recomendá-los, a fazer reviews, a refletir sobre o seu conteúdo e a seguir a pessoa que os escreveu e que o faz de forma honesta e abnegada, não como profissão, não em busca de dinheiro, prestígio, fama. Mas porque lhe é essencial escrever, e porque, desse lado, continuam a ler-me.

Sempre escrevi e sempre escreverei, em primeiro lugar, para mim. Sem agendas políticas nem temas politicamente corretos, sem dizer o que querem ouvir nem procurar criar polémicas. Escrevo sobre o que me incomoda. Depois, publico (é diferente) porque há quem goste de me ler e porque acredito que devo disponibilizá-lo a essas pessoas. Ler faz bem, e se o que escrevo fizer bem a alguém, ótimo. É por esses leitores que procuro abrir mais espaço para a minha literatura e dos meus pares. Para que vos chegue, vos dê prazer, vos desconcerte. Não escrevo nem nunca escrevi para obter apoios, para ganhar dinheiro, para sair em revistas, para lamber botas ou para me auto-validar. Não escrevo para os pares e muito menos para juris ou lobbys. Escrevo porque é o que sou. Publico porque me leem. O saldo é negativo: perco mais do que ganho. No fim das contas, não saberia fazê-lo de outra forma.

Para concluir, quando abrimos a boca para falar mal dos livros, desses autores e autoras que andam por aí, em bando, generalizando, sem conhecer, sem ler, estamos ainda a desrespeitar e a minimizar o trabalho das editoras que apostaram nessas obras, nos editores que se debruçaram nelas durante horas e que decidiram apostar nelas.

Segundo essas pessoas, o mercado está a crescer, os livros são cada vez mais lidos, comentados, adquiridos, emprestados, porque estamos todos errados. Somos todos burros, incultos, uns iliterados. O nosso país é um país de ignorantes, para essas pessoas. De escritores mercenários e de leitores sem dois dedos de testa.

Não gosto do mundo dessas pessoas. Há muito livro por aí que não gosto, que não leio, mas há muito que adotei a máxima "é melhor ler um livro fraco do que não ler nada". A leitura é um caminho árduo, comecemos sem o peso do sbonismo. Leiam, leiam. Qualquer livro mau é melhor do que livro nenhum.

E, felizmente, Portugal tem muitos livros bons. E não são só os que a elite aprova.

10
Jan25

A minha vida dava um filme turco


celiacloureiro

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Ultrapassada a era dos filmes indianos como os mais dramático-inverosímeis, introduzo uma nova etapa na minha vida: a dos filmes turcos. Desde dia 7 que vivo em Évora, eu e os dois cães, numa casinha alentejana de 20m2. Ainda falta alguns meses (quero acreditar, na melhor hipótese, que sejam três) para que possa mudar-me para a minha própria casa. Entretanto, sou nómada.

As aventuras começaram quase desde o início, desde precisar de ajuda para conseguir abandonar a minha casa (o tempo voa e eu sou só uma), dormir no chão, lidar com um cachorro de dois meses e meio arraçado de capetinha, outro cão medroso, e a roda-viva de gente a entrar e sair da casa que, ao fim de sete anos, abandonei na terça-feira passada.

Saí de Almada ao crepúsculo, com o que restava da casa às costas e um cheque de cinco dígitos que não consegui depositar porque, como a minha vida dava um filme turco, a porta eletrónica/automática do meu banco estava "fora de serviço". Conduzi cansada, exausta, a ouvir música boa, com um cão a dormir e ressonar e o outro a remexer-se, inquieto.

Em Évora, passei bem na primeira noite, frio na terceira e estava a ver, há pouco, que ia passar calor na quarta. Isto porque, ontem, o quadro começou a disparar em intervalos cada vez mais próximos. Deitei-me sem luz, sem bateria nos aparelhos, sem frigorífico a arrefecer nem aquecedor a funcionar. Gelada. Hoje, tinha um único compromisso, além do trabalho, que era urgente: levar o meu irmão à rodoviária de Évora para o autocarro das 17h30.

O quadro elétrico, que ontem ainda se ia ligando a intervalos esporádicos, não ligava de todo. Eu, sem ter lavado o cabelo ontem, olhei-me ao espelho: patilhas oleosas, pele ressequida (do frio), cabelo digno de um acidente ferroviário. Sem dizer que não trouxe calças, à exceção das rotas e manchadas de tinta que trazia no corpo. Contei 7 camisolas, 0 calças nas malas. Não podia tomar banho, porque o termoacumulador não aquecia desde a noite anterior. Descobri que os cães só tinham um resguardo. Não podia ligar o fogão (elétrico) para fazer café nem comer o pão duro porque a torradeira também estava fora de questão. Liguei ao proprietário do AirBnB, que me fez esperar apenas meia hora e que tentou despistar o problema. Incapaz de o fazer, pediu ao eletricista da sua confiança que viesse à casa, e o mesmo prometeu vir depois de almoço. Tive de me resignar aos factos: não ia poder trabalhar nem tomar banho. Vesti o casaco por cima do pijama (não conseguiria vestir roupa lavada sem tomar banho) e propus-me a sair para ir, apenas, buscar os resguardos e uma manta para os cães, além de uma mopa para secar as constantes intervenções da esfregona. Como me perco (seja fisicamente, seja em pensamentos), era uma da tarde quando terminei o recado. Pensei em dar um pulo ao Évora Plaza para almoçar, posto que não saberia quando poderia comer e ainda nem tinha tomado o pequeno-almoço. Para meu azar, há logo uma Fnac à entrada, e eu queria um caderno para poder desenhar enquanto não tivesse bateria/internet. Entrei a sorrir, de mãos nos bolsos, a pensar "que sorte que não conheço ninguém em Évora, posso andar à vontade mesmo neste estado deplorável". As pessoas aqui são super vagarosas, não é mito, e estava uma senhora postada mesmo diante dos cadernos que eu queria espreitar, em busca de um com folhas que servissem também para aguarela. Quando pedi licença à pessoa para que se desviasse, dou de caras com a minha professora de Literatura, cujo trabalho sobre a Madame Butterfly submeti há cerca de três semanas. O meu choque e horror... Comecei por explicar a minha vida toda, sem sequer lhe permitir dar-me as boas tardes: estou em mudanças, a casa não está pronta, estou temporariamente num AirBnb, não há eletricidade no AirBnb, quer dizer, há, mas não desde ontem, não pude tomar banho, não sei das calças de ganga, ainda nem comi... Foi uma chamada à Terra: não andar armada em sem-abrigo (com todo o respeito aos que o são por força das circunstâncias) em Évora.

Há dois dias também vivi uma aventura assustadora. Decidi ir mudar o carro de uma rua paga para um estacionamento gratuito e, uma vez que os cães estavam a pirar numa casa tão pequena, decidi levá-los. O Peanut é medroso, o Balú ainda não tem o reforço da vacina e sair é altamente desaconselhado, além de que o peitoral foi comprado à pressa no chinês e o feltro abria constantemente. Contudo, achei que faria melhor ao desgraçado do cão gastar um pouco da sua energia num passeio de 100 metros até ao carro a continuar trancado e a enlouquecer, a ir buscar a bolinha a 2 metros de distância num loop infinito.

Acontece que, ao regressar, parámos num semáforo movimentado. O cachorro, que passeou alegremente e não demonstrou medo em nenhum instante, decidiu assustar-se quando um camião se aproximou. Eu estava de olho no Peanut, que tremia como um chihuauha perante as demonstrações de afeto das minhas sobrinhas, e o Balú deu um safanão no peitoral e... Desatou a correr pela estrada na direção oposta. Quando dei por mim, estava a correr e a gritar atrás dele, com o Peanut e a trela com o malfadado peitoral a reboque. Consegui apanhá-lo - por milagre - e a partir daí seguiu ao colo. Só quando estávamos seguros e ele a dormir no meu colo é que percebi a irresponsabilidade que tinha cometido. E, também, que já amo este Capetinha. 

Quando o eletricista saiu hoje do AirBnb, por volta das 16h00, depois de identificar um fio terra em contacto com outro (?) dentro de uma tomada, a sobreaquecer e a fazer disparar o quadro, pude finalmente tomar banho e ir buscar o meu irmão. Acontece que, antes disso, o proprietário ainda quis resolver a questão do ar condicionado, que liga e trabalha ruidosamente, mas não aquece. Era o filtro e, depois de o lavar e secar (com os cães a fugirem para a rua e eu a persegui-los uma vez mais, mas é um beco sem qualquer movimentação de veículos), despediu-se. Era tarde, mas recusei-me a voltar a sair toda sebosa. Como pessoa que sofre de défice de atenção, às vezes penso que estou a despachar-me super rápido, mas na verdade não. Esperei um pouco pela água quente do termoacumulador e, quando estava prestes a sair de casa, vi que eram 16h50 e eu tinha ficado de apanhar o meu irmão às 16h45. A casa estava a arder por causa do ar condicionado, mas não consegui encontrar o comando e fui-me embora, a trotar até ao carro, ciente de que teria de fazer o percurso a 130km/hora se quisesse ter alguma hipótese de o meter naquele autocarro até às 17h30, estando ele a 25 km de distância (50, com a ida).

Arranquei de Évora atordoada, com a cabeça a fazer cálculos e a sobreaquecer, percorrendo o caminho que já percorri dezenas de vezes até casa. Desta vez, como a minha vida dava um filme turco, enganei-me no caminho. Fui dar ao mesmo sítio, mas desconfio que perdi uns 3 minutos na brincadeira (apontem). De seguida, ao aproximar-me da Route 66 (batizámos assim a estrada que liga Évora à minha aldeia isolada), detetei um carro lento à minha frente. Como não me atrevo a ultrapassar ninguém na route, soube que teria de o fazer no preciso instante em que ele acionou o pisca para a direita e virou para lá. Contornei-o pela esquerda a toda a velocidade, apesar de isso implicar atravessar a banheira de água turva que se acumulava à esquerda do trilho. Segui imperturbada (a uma velocidade bem acima da recomendada, estou certa), até ver os dois salvadores da minha casa à distância. Parei o carro em duas rodas, eles saltaram para dentro e, ao voltar à Route 66 com os rapazes sentados, de cinto apertado e malas na bagageira, cruzei-me com o carro lento que tinha ultrapassado e que ficou assim a saber que a nova vizinha é doida.

O meu irmão sentou-se no carro as 17h18 e disse que não havia forma de conseguir apanhar o autocarro das 17h30. Eu disse-lhe que já tinha apanhado o autocarro para Almada muitas vezes e que, pelo menos o das 19h00, sai de Évora sempre com atraso de pelo menos 15 minutos. Decidi olear o acelerador para aumentar as suas probabilidades de chegar a casa a horas decentes. A dada altura, ele disse: o melhor presente é estar presente, ou uma variante disso, e percebi que era hora de lhe dar um cheirinho de travão.

Apanhámos um TVDE à nossa frente que, simplesmente, farejou o nosso desespero e fez questão de se arrastar a 30km/hora por mais de uns 3km, empurrando o relógio para as 17h33, guinando para a esquerda e para a direita a cada vez que eu, sequer, cogitava ultrapassá-lo. Mas estávamos a chegar e, se não fosse por ele, em vez de termos chegado às 17h38 teríamos chegado às 17h35, possivelmente a tempo de apanhar o autocarro. Isto, mais os 3 minutos perdidos à deriva pelas rotundas de Évora no início da odisseia, e de certeza que teriam conseguido apanhar o autocarro.

O próximo era às 19h00, de modo que, para me desculpar, paguei os novos bilhetes e convidei-os para uma bifana do Levy. Uma vez lá, os olhos dos rapazes voltaram a brilhar quando leram "choco frito" no menu. Acontece que havia um problema com a eletricidade e, por isso, nada de choco frito por um bocado, não tinham "como o fritar". É o costume. De seguida, um deles pediu Coca-cola, mas só havia Pepsi. Depois, pedi que incluíssem dois cafés na conta e a senhora tirou-os logo, deixando um dos meus convidados (e vítimas) desconsolado por ter de o beber frio, depois de comer. 

Lá entraram no autocarro das 19h00, que só chegou às 19h20, e eu voltei para "casa" a pé, à chuva, a ouvir a Someone That Cannot Love, do David Fonseca, debaixo de uma morrinha refrescante e com o astigmanismo a debater-se com os borrões das luzes de Natal por desmontar e os faróis dos carros. Se o TVDE me tivesse apanhado, depois de termos conseguido ultrapassá-lo e os rapazes o chamarem de santo aos berros, tenho a certeza de que teria alegado que tinha um problema no alinhamento da direção e o veículo tinha resvalado para a berma, passando-me involuntariamente a ferro. Mas pronto, isso não aconteceu, porque a minha vida dava um filme turco, não uma novela mexicana.

Fui a sorrir até à minha casinha dentro das muralhas, apesar da montanha de trabalho para terminar este fim-de-semana, do espaço útil de 20m2, dos cães aborrecidos, do cobertor que me dá alergia na cama. Parece que estou em casa. Há muito que não me sentia em casa. Ao abrir a porta, fui recebida pelo calor sufocante de um ar condicionado em pleno funcionamento. Agora, o fim-de-semana é meu sem interrupções, e a minha única preocupação é descobrir quem hackeou o meu Spotify e anda a adicionar-lhe playlists de forró.

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