Better days
celiacloureiro
Os meus olhos procuram, acima de tudo, beleza. Para meu contentamento, comecei a recebê-la das coisas que me saem da mão. Ora vejam estas sapatilhas de bailarina que pintei há uns dias, a pastel de óleo. Não me canso de as admirar. Pergunto-me se o rumo da minha vida teria sido diferente se, no passado, me tivesse apercebido de que isto já estava cá dentro. Viver no campo também passou por uma estratégia de extrair de mim o que de eventualmente bom, luminoso e saudável ainda pudesse vir à tona.
Não têm sido dias propriamente bons. Tenho dormido pouco e mal, seja por causa das preocupações com as contas para pagar, seja porque arranjei dois cães que me alertam para o fim do mundo a cada vez que um pássaro agita os ramos da laranjeira, no quintal. Confirmo, contudo, que tudo à nossa volta corre melhor quando nos esforçamos por ser minimamente pacientes e equilibrados. Sinto-me quase incapacitada para o trabalho, com uma capacidade de concentração cada vez mais reduzida. Porquê? Porque estou exausta e não me permito descansar.
Em contrapartida, denoto melhorias a nível emocional. Penso que estou a curar-me dessas feridas, estou mais forte e mais capaz de enfrentar o mundo dos afetos. Os golpes, vindos de onde vierem, não me afetam como costumavam afetar. Tenho uma perspetiva mais racional e utilitária das relações. Esta pessoa ofendeu-me, vale a pena ofendê-la de volta? Vale a pena guardar a ofensa? Se, há cerca de dois meses, achei que tinha perdido uma oportunidade no amor, agora entendo que tudo acontece por um motivo. Temos de fechar portas (e ciclos), por vezes temos até de fugir àquilo que nos parece feito para nós, temos de sair da zona de conforto para nos descobrirmos. Quebrar ciclos. Vencer padrões. Dar uma oportunidade ao que nos parece estranho e novo. Talvez avançar com tranquilidade - com conforto e prudência - seja melhor do que deixar que o coração se emocione, logo à partida, com gestos simples? Talvez construir o afeto, o amor, seja melhor do que partir de um interesse inicial que, tanto quanto sei, pode extinguir-se com facilidade?
Apercebi-me de que não recebi muita consideração por parte dos homens da minha vida. Houve muitos momentos agradáveis, houve cumplicidade e conversas frutuosas; mas houve, acima de tudo, a minha tendência a deixar-me atrair por relações condenadas, por pessoas indisponíveis que precisavam de sanar os seus traumas (tal como eu). Escolher portas fechadas, para me manter dentro do que me era familiar, seguro. No futuro, farei melhor. Hoje já me sinto capacitada para fazer muito melhor. De repente, parece que, independentemente dos carrosséis emocionais a que meproponha, o meu valor nunca está em jogo. Isso ajuda tremendamente na hora de gerir o que dar, o que devolver, o que guardar, como avançar, como avaliar as situações. A comunicação também é um trabalho extenuante que, por vezes, nos deixa um pouco vulneráveis: é, também, o mais importante dos trabalhos se queremos construir alicerces. Se tudo falhar, que as relações deixem para trás esses alicerces, a calma e a robustez de algo construído com cuidado e planeamento. Antigamente, entendo-o agora, começava casas pelo telhado. Olhando para trás, são agora umas cabanas miseráveis com chão de terracota, onde nunca pude beber nem nutrir-me. Não foram abrigo nem ofereceram encanto. A beleza, também ela, foi fugaz e ilusória.
Decidi dar um passo atrás para poder avançar. Pus a minha alma, sangue, suor, lágrimas e coração nesta vida nova. Como dependo de terceiros - nomeadamente da Câmara Municipal -, ainda não pude concluir a fase final do plano, a que me permitiria viver confortavelmente depois do investimento impossivelmente pesado que levei a cabo nos últimos meses. Estou no tapete, em termos financeiros. É hora de perceber com o que posso contar, o que tenho para vencer esta fase? Vou vender a carrinha. É só um carro. A vida é longa e terei tempo de comprar outra igual ou melhor. Por hora, voltemos aos chaços. Não se pode ter tudo, e a casa - a paz, a inspiração, a cor, o traço, as estrelas à noite e o universo sempre atento - são a prioridade no momento.
Vamos lá, mais um passo.
Abrir mão do acessório para agarrar o essencial.